Cada subsistema tem duas componentes (como a palavra estocástico indica): uma componente aleatória e um processo de selecção que trabalha nos produtos da componente aleatória.
Bateson, Gregory. Mind and Nature. A Necessary Unity. New York: E. P. Dutton, 1979
Um sistema estocástico é um conjunto de processos que não estão submetidos senão a leis do acaso. Os fãs de Jurassic Park devem-se recordar da Teoria do Caos enunciada por Ian Malcolm através da metáfora do "efeito borboleta". Isto é, se uma borboleta bate as asas no Central Park em Nova Iorque, um tufão aparece na costa japonesa. Essencialmente, um conjunto de eventos que à partida nada têm em comum, acabam por formar um padrão responsável por um dado resultado. Esta teoria levanta vários pontos de interesse e é alvo de estudo pela maioria das mais conceituadas universidades do mundo. Contudo, até hoje nunca tinha visto uma aplicação prática desta teoria, muito menos usada como método de ensino, até ao dia em que iniciei as aulas de Sistemas Digitais Interactivos.
A aleatoriedade e a ausência completa de sentido ou orientação é a única constante num sistema de ensino, cuja palavra caótico não começa sequer a descrever o caos que se vive, quer na mente do professor, quer na compreensão – ou na falta dela – por parte dos alunos. O primeiro acto paradoxal ocorreu aquando da descrição do próprio plano curricular da disciplina. Supostamente a avaliação é distribuída através de exame final, contudo, as cotações percentuais para cada trabalho perfazem 100% da nota final, sem qualquer indicação da existência de um exame. Se tudo indica que não há, efectivamente, um exame atribuído a esta disciplina, porquê dividir as aulas em hora e meia de teoria se essa não é aplicável nos projectos práticos que temos de realizar?
Como se tal incoerência não fosse suficiente, outras decisões "aleatórias" e sem sentido acrescentam uma maior perplexidade à situação. Apesar de desde a primeira aula ser claro que a sala onde temos aulas não tem espaço suficiente para todos os alunos, o professor insiste em dar a parte teórica lá, sem ter ainda sugerido sequer a possibilidade de mover as horas teóricas para um anfiteatro, ou para outra sala mais apropriada para o número de alunos. Se a faculdade fosse pequena até seria compreensível, mas estamos a falar de uma faculdade maior do que muitos campus universitários que existem por esse país fora, já para não falar que às sextas-feiras ao fim da tarde a grande maioria das salas encontram-se vazias.
Mas os problemas não são meramente burocráticos ou logísticos. Antes fossem. Os projectos que os alunos têm de realizar até ao final da disciplina são realizados em grupos de quatro elementos. Até aqui tudo bem. Contudo, o professor faz questão de juntar os grupos ele próprio, através de um critério que indica que em cada grupo deve haver um elemento correspondente a cada um dos quatro perfis disponíveis no mestrado. Isto não seria problema se os alunos do perfil de tecnologias não representassem mais de metade do número de alunos de Sistemas Digitais Interactivos. Já para não dizer que só porque alguém se encontra dentro de um perfil tal não significa que o seu background académico e profissional tenha algo a ver com o perfil escolhido. Já para não dizer que ele não permite que os alunos escolham os grupos por si só, mesmo com o argumento de tal ajudar na realização de trabalhos para outras disciplinas, visto ser mais complicado conciliar os diferentes projectos quando para cada um vemo-nos obrigados a lidar com pessoas diferentes.
Se a ideia é criar grupos multidisciplinares então o critério devia estar à mercê dos próprios alunos e o processo de selecção devia ter como base o background académico, e não o perfil escolhido dentro do mestrado. Já para não dizer que ele limitou-se a ir por ordem alfabética escolhendo as pessoas consoante o perfil escolhido. Isto resultou com que os primeiros grupos sejam de facto compostos por elementos de perfis diferentes, mas os grupos mais à frente na lista chegam a ter três ou mais elementos do mesmo perfil. Um sistema de tal modo caótico que quase de certeza acabará por criar um grande fosso nas classificações finais.
Por que é tão importante a escolha das pessoas através dos backgrounds? A resposta remete ao último, e pior, acto paradoxal. Como primeiro projecto, o professor disse que criássemos alguma coisa, desde que aplicássemos sistemas estocásticos. Ou seja, uma interface qualquer, sobre um tema qualquer, desde que seja aleatória. E para tal disse para usarmos o software max/msp/jitter, cuja maioria dos alunos nem sequer tinha ouvido falar antes de entrarem em contacto com Sistemas Digitais Interactivos. Resultado: Os grupos que tinham alunos que percebiam de max criaram trabalhos de um nível mais elevado do que aqueles que não tinham.
No meu caso, até tive a sorte de um dos meus colegas ser uma espécie de génio de max e a nossa interface acabou por ser das melhores, se não mesmo a melhor, presente na sessão de apresentação. Como é possível um professor avaliar os alunos objectivamente quando tantas variáveis põe em causa a execução de um projecto?
Em toda a justiça, o professor iniciou umas sessões de introdução ao max em horário fora do seu expediente, contudo, a primeira aula foi no dia anterior à entrega do primeiro projecto. Não faria mais sentido dar mais algumas aulas de max antes de exigir uma entrega com esse peso?
Antes de concluir, gostaria de falar da própria designação de Sistemas Digitais Interactivos. Eu via esta disciplina como uma oportunidade de desenvolver o meu conhecimento de tecnologias, como o Flash, Illustrator ou Dreamweaver, na criação de interfaces interactivas que possam ser aplicadas na vida real. Contudo, o propósito real da disciplina é a criação de instalações digitais interactivas com base em tecnologias que exigem um grau elevado de bases de conhecimento anterior, cuja maioria dos alunos não tem. Já para não falar que a cadeira está demasiado direccionada para a música e o tratamento de som, não fosse ela dada por um músico, e os restantes aspectos da multimédia são descurados.
O meu conceito de multimédia é a interacção e colaboração de vários meios (áudio, som, imagem, etc.), e não a multidisciplinaridade entre pessoas de áreas diferentes. Eu escolhi este mestrado para aprender tecnologias e desenvolver a minha capacidade de criar interfaces, não para limitar-me a usar aquilo que já sei e ver os outros a trabalhar. Não fosse esta disciplina obrigatória, já a teria trocado enquanto tinha tempo. E sendo ela obrigatória para os perfis de Música Digital e Tecnologias como se justifica uma completa orientação para área musical?
Termino assim o meu manifesto anti-alguma coisa. Uma disciplina de Mestrado devia ter um nível de exigência claramente objectivo e não reger-se por sistemas aleatórios. É bom abrir espaço para a criatividade, mas deve-se também ter em conta certas linhas orientadoras. Alguma coisa não pode ser algo aleatório, mas algo concreto que respeite certas leis, deixando o caminho livre para a liberdade criativa.
Morre Sistemas Digitais Interactivos, morre! Pim!
Bateson, Gregory. Mind and Nature. A Necessary Unity. New York: E. P. Dutton, 1979
Um sistema estocástico é um conjunto de processos que não estão submetidos senão a leis do acaso. Os fãs de Jurassic Park devem-se recordar da Teoria do Caos enunciada por Ian Malcolm através da metáfora do "efeito borboleta". Isto é, se uma borboleta bate as asas no Central Park em Nova Iorque, um tufão aparece na costa japonesa. Essencialmente, um conjunto de eventos que à partida nada têm em comum, acabam por formar um padrão responsável por um dado resultado. Esta teoria levanta vários pontos de interesse e é alvo de estudo pela maioria das mais conceituadas universidades do mundo. Contudo, até hoje nunca tinha visto uma aplicação prática desta teoria, muito menos usada como método de ensino, até ao dia em que iniciei as aulas de Sistemas Digitais Interactivos.
A aleatoriedade e a ausência completa de sentido ou orientação é a única constante num sistema de ensino, cuja palavra caótico não começa sequer a descrever o caos que se vive, quer na mente do professor, quer na compreensão – ou na falta dela – por parte dos alunos. O primeiro acto paradoxal ocorreu aquando da descrição do próprio plano curricular da disciplina. Supostamente a avaliação é distribuída através de exame final, contudo, as cotações percentuais para cada trabalho perfazem 100% da nota final, sem qualquer indicação da existência de um exame. Se tudo indica que não há, efectivamente, um exame atribuído a esta disciplina, porquê dividir as aulas em hora e meia de teoria se essa não é aplicável nos projectos práticos que temos de realizar?
Como se tal incoerência não fosse suficiente, outras decisões "aleatórias" e sem sentido acrescentam uma maior perplexidade à situação. Apesar de desde a primeira aula ser claro que a sala onde temos aulas não tem espaço suficiente para todos os alunos, o professor insiste em dar a parte teórica lá, sem ter ainda sugerido sequer a possibilidade de mover as horas teóricas para um anfiteatro, ou para outra sala mais apropriada para o número de alunos. Se a faculdade fosse pequena até seria compreensível, mas estamos a falar de uma faculdade maior do que muitos campus universitários que existem por esse país fora, já para não falar que às sextas-feiras ao fim da tarde a grande maioria das salas encontram-se vazias.
Mas os problemas não são meramente burocráticos ou logísticos. Antes fossem. Os projectos que os alunos têm de realizar até ao final da disciplina são realizados em grupos de quatro elementos. Até aqui tudo bem. Contudo, o professor faz questão de juntar os grupos ele próprio, através de um critério que indica que em cada grupo deve haver um elemento correspondente a cada um dos quatro perfis disponíveis no mestrado. Isto não seria problema se os alunos do perfil de tecnologias não representassem mais de metade do número de alunos de Sistemas Digitais Interactivos. Já para não dizer que só porque alguém se encontra dentro de um perfil tal não significa que o seu background académico e profissional tenha algo a ver com o perfil escolhido. Já para não dizer que ele não permite que os alunos escolham os grupos por si só, mesmo com o argumento de tal ajudar na realização de trabalhos para outras disciplinas, visto ser mais complicado conciliar os diferentes projectos quando para cada um vemo-nos obrigados a lidar com pessoas diferentes.
Se a ideia é criar grupos multidisciplinares então o critério devia estar à mercê dos próprios alunos e o processo de selecção devia ter como base o background académico, e não o perfil escolhido dentro do mestrado. Já para não dizer que ele limitou-se a ir por ordem alfabética escolhendo as pessoas consoante o perfil escolhido. Isto resultou com que os primeiros grupos sejam de facto compostos por elementos de perfis diferentes, mas os grupos mais à frente na lista chegam a ter três ou mais elementos do mesmo perfil. Um sistema de tal modo caótico que quase de certeza acabará por criar um grande fosso nas classificações finais.
Por que é tão importante a escolha das pessoas através dos backgrounds? A resposta remete ao último, e pior, acto paradoxal. Como primeiro projecto, o professor disse que criássemos alguma coisa, desde que aplicássemos sistemas estocásticos. Ou seja, uma interface qualquer, sobre um tema qualquer, desde que seja aleatória. E para tal disse para usarmos o software max/msp/jitter, cuja maioria dos alunos nem sequer tinha ouvido falar antes de entrarem em contacto com Sistemas Digitais Interactivos. Resultado: Os grupos que tinham alunos que percebiam de max criaram trabalhos de um nível mais elevado do que aqueles que não tinham.
No meu caso, até tive a sorte de um dos meus colegas ser uma espécie de génio de max e a nossa interface acabou por ser das melhores, se não mesmo a melhor, presente na sessão de apresentação. Como é possível um professor avaliar os alunos objectivamente quando tantas variáveis põe em causa a execução de um projecto?
Em toda a justiça, o professor iniciou umas sessões de introdução ao max em horário fora do seu expediente, contudo, a primeira aula foi no dia anterior à entrega do primeiro projecto. Não faria mais sentido dar mais algumas aulas de max antes de exigir uma entrega com esse peso?
Antes de concluir, gostaria de falar da própria designação de Sistemas Digitais Interactivos. Eu via esta disciplina como uma oportunidade de desenvolver o meu conhecimento de tecnologias, como o Flash, Illustrator ou Dreamweaver, na criação de interfaces interactivas que possam ser aplicadas na vida real. Contudo, o propósito real da disciplina é a criação de instalações digitais interactivas com base em tecnologias que exigem um grau elevado de bases de conhecimento anterior, cuja maioria dos alunos não tem. Já para não falar que a cadeira está demasiado direccionada para a música e o tratamento de som, não fosse ela dada por um músico, e os restantes aspectos da multimédia são descurados.
O meu conceito de multimédia é a interacção e colaboração de vários meios (áudio, som, imagem, etc.), e não a multidisciplinaridade entre pessoas de áreas diferentes. Eu escolhi este mestrado para aprender tecnologias e desenvolver a minha capacidade de criar interfaces, não para limitar-me a usar aquilo que já sei e ver os outros a trabalhar. Não fosse esta disciplina obrigatória, já a teria trocado enquanto tinha tempo. E sendo ela obrigatória para os perfis de Música Digital e Tecnologias como se justifica uma completa orientação para área musical?
Termino assim o meu manifesto anti-alguma coisa. Uma disciplina de Mestrado devia ter um nível de exigência claramente objectivo e não reger-se por sistemas aleatórios. É bom abrir espaço para a criatividade, mas deve-se também ter em conta certas linhas orientadoras. Alguma coisa não pode ser algo aleatório, mas algo concreto que respeite certas leis, deixando o caminho livre para a liberdade criativa.
Morre Sistemas Digitais Interactivos, morre! Pim!