Thursday, June 25, 2015

Até Sempre, Alicarius

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A recordação é o perfume da alma. É a parte mais delicada e mais suave do coração, que se desprende para abraçar outro coração e segui-lo por toda a parte.
George Sand

Ano e meio depois, voltei à Casa da Pedra. Retenho de lá mais memórias da minha passagem pelo INESC Porto, agora INESC TEC, do que de qualquer outra coisa. Ultimamente deixei de pedir queijo sempre que como uma francesinha. Este é normalmente substituído por uma camada extra de fiambre. Não é a mesma coisa, mas, infelizmente, não posso continuar a brincar com a minha intolerância.

Embora o regresso à Casa da Pedra esteja, desta vez, ligado ao aniversário de um amigo, e à minha estreia do Jurassic World em IMAX, aquele espaço, e as suas francesinhas, sempre estiveram, de certa forma, ligadas à minha passagem pelo INESC Porto. Era 16 de Janeiro de 2011, tinha-me despedido de Coimbra há dois dias. Era domingo e amanhã regressava ao Porto para começar a trabalhar no INESC Porto. Eu, e alguns amigos, decidimos celebrar o meu regresso a “casa” com uma francesinha no L’Auberge no Furadouro. Não sei se foi pelo momento que esta representava, ou pela qualidade do cozinheiro que entretanto se mudou para outras paragens, mas aquela foi, naquele dia, a melhor francesinha que alguma vez tinha comido fora do Porto. E assim se manteve até ao momento que lá regressámos.

Desde que o L’Auberge trocou de cozinheiro, as suas francesinhas, não mais voltaram a ser tão boas como antes. Apesar de ainda manterem algum nível de qualidade, não chegam sequer a rivalizar com as do Alicarius em Aveiro. O actual número um na nossa lista da melhor francesinha fora do Porto. Infelizmente, também eles mudaram recentemente de gerência e de cozinheira. Mal soubemos desta inevitável mudança, combinámos um regresso ao preciso local onde tudo começou.

Curiosamente, as mesmas pessoas com quem partilhei essa última noite no Alicarius, foram aquelas que me acompanharam nesta recente visita à Casa da Pedra. O Paulo, o Luís, o João, e a Fabiana. Os últimos quatro que, comigo, provaram a última infame francesinha com pão da avó, do Alicarius. Desde essa noite que lá não regressei. Talvez a qualidade da francesinha se mantenha igual, talvez esteja melhor, ou, talvez tenha piorado. Para já, esse é um mistério que não anseio por resolver.

A minha passagem pelo INESC Porto não foi mais longa que um ano. Contudo, foi tempo suficiente para criar amizades que ainda hoje mantenho, para conhecer novos locais, para ganhar experiência e para visitar restaurantes como a Real Churrasqueira e a Casa da Pedra, um dos meus locais preferidos para comer francesinhas no Porto.

Tudo muda com o tempo. O emprego, as pessoas, as cidades, os gostos, e até mesmo o paladar. Este ano, num curto espaço de tempo, já me despedi de algumas coisas que tomava como garantidas. Coisas que faziam parte da minha rotina, e que, nem sempre, as pude aproveitar da melhor forma possível. O Alicarius é apenas mais uma numa longa lista de despedidas que jamais terminará de crescer. É assim que a vida funciona. Um breve momento que sobrevive apenas na memória daqueles que o partilharam.

Ainda me lembro da primeira vez que visitei o Alicarius. Eu, o Paulo e o Luís. Estávamos lá não apenas para provar a francesinha, mas também para debater ideias para um novo projecto que queríamos fazer em conjunto, o Rarely Interesting. Um site sobre tudo, com críticas a jogos, livros, música e filmes. Um site que morreu à nascença, mais pela minha falta de empenho, que a deles. Um projecto que, infelizmente, não foi para a frente, e que volta e meia, penso tentar ressuscitar. Apenas mais uma numa longa lista de ideias que acabam por nunca sair do papel.

Foi esse o pretexto que me deu a conhecer aquela que é, ainda hoje, a melhor francesinha fora do Porto. Por enquanto, não posso aconselhar ninguém a lá regressar, pois ainda não provei os produtos da nova gerência, nem tão pouco conheço quem o tenha feito.

Talvez um dia lá regresse. Talvez um dia essas memórias voltem a solidificar-se num local que é muito mais para mim, para nós, que um mero restaurante. Tenho saudades desta constante.

Anseio por constantes, nas quais ainda me possa rever. São cada vez menos, e cada vez mais escassas. Para já, resta-me a Casa da Pedra e o Verso em Pedra. Talvez por terem pedra no nome, movem-se lentamente pelo tempo com a confiança de um continente granítico, e a estabilidade de uma rocha resguardada dos efeitos da erosão.

Mas por agora, apenas me resta dizer três simples palavras. Até sempre, Alicarius. Até ao meu regresso. Até uma próxima recordação.

Thursday, June 18, 2015

O Meu Ficheiro Excel

Foto DR
If we fasten our attention on what we have, rather than what we lack, a very little wealth is sufficient.
Francis Johnson

Há meses em que a disponibilidade financeira é difícil de controlar. Entramos numa espiral de despesas, sejam estas por motivos de saúde, lazer, ou meros gastos urgentes ou inconsequentes. Este é um desses meses. Não é a primeira vez que, por um motivo ou outro, acabo o mês próximo do zero, incapaz de guardar uma qualquer percentagem do meu salário para futuros investimentos ou necessidades.

Há cerca de cinco anos, criei um sistema em Excel de controlo e registo de gastos, o qual actualizo diariamente, e que tem sofrido melhorias sempre que estas me ocorrem, ao ponto de ser capaz de discriminar a grande maioria das coisas nas quais invisto, ou melhor, gasto, o meu dinheiro.

Talvez esta atitude seja passível de ser vista como obsessiva, ou como uma síndrome qualquer de controlo sobro todos os aspectos da minha vida. Mas, na verdade, não passa de uma rotina de lazer, que mantenho ao longo da semana, a qual não me retira mais do que três a cinco minutos por dia. Um pouco como lavar os dentes, ou a loiça depois do jantar, actualizo o meu Excel mal chego a casa com a frequência devida, sempre que houve algum gasto ou uma alteração em um qualquer dos meus saldos.

Talvez seja o meu adormecido lado de matemático a falar, mas adoro fazer gráficos, criar percentagens, analisar tendências, e estabelecer limites para com aquilo que gasto. O meu sistema tem tanto de simples como de complexo. Recorro a dois ficheiros. Um anual relativo ao ano corrente, e outro permanente que actualizo apenas no final de cada mês, onde constam os meus registos de rendimento e gastos desde Setembro de 2010 até hoje.

No primeiro mantenho um registo do saldo da minha conta bancária, de quanto dinheiro trago comigo na carteira, e até mesmo dos poucos cêntimos que mantenho guardados há quase quinze anos no meu mealheiro. Também construo algumas tabelas com objectos que desejo comprar e quanto estes custam. Noutra página, mantenho o meu balanço mensal onde discrimino cada gasto pelas categorias de Alimentação, Transportes, Renda, Utilidades e Outros. A categoria Outros é por si só descriminada numa tabela anual onde crio categorias que vão desde bilhetes de cinema, a livros, CDs, gastos com saúde, entre outros.

Embora o mês ainda esteja longe de ter terminado, a minha recente viagem a Lisboa, aliada a algumas consultas, e a outros gastos que fiz por impulso, fazem com que o horizonte não adivinhe nada de agradável. O meu plafond para este mês está cada vez mais reduzido, e creio que só com algum engenho é que não terminarei por acabar o mês a zero.

Isto não é uma grande preocupação para mim, pois, se vier a acontecer, será a primeira vez, em anos que algo semelhante me acontece, com as óbvias excepções dos meses em que fiz grandes investimentos, como a compra do meu actual portátil em Março de 2011, e da minha máquina fotográfica em Julho de 2014.

Não sou um tipo que gosta muito de depender do crédito, portanto, acabo sempre por comprar tudo a pronto. As únicas excepções que imagino fazer ao longo da minha vida estarão intimamente ligadas às compras de um carro, e eventualmente, de uma casa, se algum dia conseguir um emprego que me permita um nível de estabilidade suficiente para permanecer no mesmo local tempo suficiente para a desfrutar.

A minha vida de nómada é também ela reflectida na minha folha de cálculo. São incríveis as disparidades no que toca a gastos em alimentação, renda e transportes, quando comparo os dois anos que vivi em casa dos meus pais e trabalhei no Porto, com os restantes que, até agora, foram repartidos entre Coimbra e Covilhã.

Aqui apenas me posso culpar a mim próprio por ter optado por uma carreira que apela mais à instabilidade, e que nos força a nunca encarar a cadeira actual como um dado adquirido. Mas assim é a vida de um assessor de imprensa, de um realizador, de um editor de vídeo, de um investigador, de um director de fotografia, de um designer ou de um fotógrafo.

Em tempos disseram-me para esquecer o meu Excel, que este me fazia mal e que me tornava obcecado com os possíveis gastos que tinha pela frente. Sempre a aspirar a uma meta imaginária e, por vezes, irrealista. E isto foi verdade durante uns tempos, foi verdade até ao momento em que comecei a ver tudo aquilo que estava a perder ao deixar-me limitar pelas contas e pelo dinheiro que dispunha. As experiências que deixava de ter, as viagens que deixava de fazer, as coisas que deixava de ter, a roupa que usava até à exaustão.

Esse “clique” também aconteceu num momento em que o meu novo emprego me proporcionou uma maior folga orçamental, por causa de um considerável aumento salarial, em comparação com os anteriores.

Não sou uma pessoa que exige uma alta manutenção. Raramente compro coisas caras, dispenso a maioria dos gadgets, e contento-me com telemóveis baratos que durem uns três ou mais anos. Mas deixei de me conter perante aquilo que desejo, seja ele um livro, um vinil, ou uma minifigura de Lego. Afinal, se o posso ter hoje, para quê deixar para amanhã?

Em Junho de 2015, talvez o meu saldo final chegue ao zero, talvez até o ultrapasse, ou, se calhar, ainda vou conseguir poupar alguns trocos que sejam. Enfim, dia 30 terei a resposta que hoje atormenta o meu lado mais economicista, mas contento-me em saber que fora uma ou outra coisa, tudo aquilo no qual “gastei” o meu dinheiro este mês, trouxe-me experiências, momentos, inspiração, e alegria, que já mais teria vivido se permanecesse atrás de uma calculadora a controlar cada cêntimo que me saía do bolso.