Thursday, February 12, 2015

O Apego da Solidão

Imagem DR
O tempo passa e com ele passa a dor. Pois tudo passa, até o amor. Na companhia de um bom livro e um violão, vou vivendo com a minha solidão.

Tudo Passa, Marjorie Estiano

Abres os olhos e acabaste de acordar. O sol não acaricia a tua face. O despertador ainda não tocou. Pela janela apenas vês nuvens. Mais um dia cinzento. Mais um dia, como outro qualquer. Por que acordaste tão cedo? Nem mesmo a preguiça te mantém desperto. Estás preso à cama. Sem vontade. Sem cansaço. Sem frio. Sem nada.

São mais os dias que acordamos assim. Sós. Isolados apenas entre os nossos botões. Os nossos pensamentos como única companhia. Sem um corpo quente ao nosso lado. Sem entusiasmo. Sem um motivo. São dias normais. Dias como outro qualquer. São estes os dias que precisas de começar a mudar. Os dias que precisas de começar a viver.

Aprender a viver com nós próprios. A gostar de nós. A ouvir o silêncio. A calar as vozes. Lições importantes e tão fáceis de negligenciar. É fácil depender de alguém. De nos agarrarmos ao apego, à rotina, aos lugares comuns, às nossas redes de segurança. É fácil, sim. Mas é também desprovido de qualquer sentido. É a apologia da preguiça intelectual. Do desafio do crescimento. O adiar do inevitável.

Lidar com a solidão começa por uma reviravolta de conceitos. Não devemos lidar ou combatê-la, mas sim refletir, compreender, aceitar e não deixar que esta nos consuma. O segredo está em sermos felizes connosco próprios. Em encontrar algo agradável nos pequenos pormenores do dia-a-dia. Nos momentos isolados. Nas horas apagadas que devemos ocupar.

Começa por refletir. Um caderno, uma caneta, um chá, ou um café. Um jardim, uma praia, ou um quarto. Um espaço confortável. Escreve se sentires essa necessidade. Desenha. Expressa-te. Pensa naquilo que gostas de fazer. Naquilo que queres fazer. Aquilo que queres melhorar em ti. Quem tu és. Quem podes ser.

Faz esse exercício as vezes que precisares. Interioriza esses desejos. Projecta o teu desafio. E age. Inscreve-te no ginásio. Nas aulas que tens andado a adiar. Cria a tua arte. Expressa-te. Investe em ti. Substitui algumas rotinas por algo mais imprevisível. Se trazes o teu almoço, experimenta comer noutro local. Sai do refeitório e procura um banco de jardim. Faz o caminho mais longo em vez de correres para casa. Desliga a televisão e lê. Levanta-te do sofá e vai conhecer a tua cidade. Troca aquela noite passada online por uma peça de teatro, uma ida ao cinema, ou um concerto. Torna os teus fins-de-semana especiais com aquilo que o Universo deixa ao teu dispor.

Em tempos disseram-me para ir aos locais que mais amo. Aos espaços com que mais me identifico. É lá que te irás encontrar. É lá onde se encontra a resposta.

É fácil confundir amor com apego. Mas são duas coisas bem diferentes. Recentemente vi uma entrevista de Jetsunma Tenzin Palmo, uma monja budista, e um ser-humano extraordinário, em todos os sentidos desta palavra. Nela Jetsunma expõe a sua visão sobre a vida. Mas o vídeo que mais me chamou à atenção foi aquele que diferencia o amor romântico, o apego, do amor genuíno.

Deixarmo-nos consumir pelo apego é um passo na direcção errada. É a negação da individualidade. O forçar de um sentimento que não é real. Um sentimento que não é genuíno. Jetsunma, apesar do seu impronunciável nome, é bastante clara na distinção entre amor e apego. Apego exige a presença constante de alguém. É intenso. E desaparece com a velocidade com que surge. Já o Amor aceita a individualidade de alguém. Admira a sua pessoa. A beleza do seu ser, e do sentimento que ambos partilham. Amar é compreender. Amar é ser feliz com a felicidade do outro. Amar é deixá-la partir. Amar é deixá-la voar.

Para aprendermos a viver com a solidão, devemos amar-nos a nós próprios. Um velho cliché. Uma frase feita. Uma afirmação verdadeira. Uma necessidade primordial. Para amar, devemos desligar-nos do simples apego, compreendê-lo e saber distinguir um sentimento do outro. Para amar, devemos estar dispostos a libertar. Não apenas aquela a quem nos entregamos, mas também as amarras que prendem o nosso coração. Que bloqueiam a nossa felicidade. Que nos impedem de agir.

Não é fácil estar só. Não é fácil viver apenas das conversas que partilhamos entre o silêncio da nossa mente. Não é fácil. Mas é necessário. É necessário aprendermos a viver connosco próprios. A gostar de nós. A combater a inércia. A perturbar a rotina. Só assim podemos crescer. Só assim nos podemos conhecer. Só assim podemos ser alguém que não nos desilude. Alguém capaz de amar. Alguém capaz de ser amado.

A confiança, a vontade, o desejo de nos expressarmos, esconde-se por entre os degraus de um longo caminho de autodescoberta. De crescimento constante. De amor por aquilo que faz de ti quem tu és. Quem tu podes ser. Aquilo que te torna único. A beleza do silêncio interrompido pela tua própria determinação.

Abres os olhos e acabaste de acordar. O sol não acaricia a tua face. O despertador ainda não tocou. Pela janela apenas vês nuvens. Mais um dia cinzento. Já estás a pé. Pronto para agarrar os inesperados encantos que este dia tem para oferecer.

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