Thursday, November 27, 2014

Romance do Dia-a-dia

Imagem DR
In this world there are only two tragedies. One is not getting what one wants, and the other is getting it.
Oscar Wilde

São as pequenas coisas. São elas que me movem. São elas que mais desejo. Todas as histórias começam com breves momentos de exposição. Informação prévia sobre a vida e o universo das personagens, oferecida pelas subtilezas da narrativa, ou forçada pela garganta abaixo quando a criatividade é escassa.

Nas comédias românticas essa exposição é muitas vezes conhecida por “meet cute”. Aquele momento absurdo e hilariante que junta ambos os protagonistas. O rapaz que vai contra uma rapariga e a ajuda a apanhar os livros. O herói que salva a donzela em perigo. A rapariga que te encontra no elevador e que também gosta de The Smiths.

Aquela primeira troca de olhares. O sorriso embaraçoso. O ódio incompreensível que impede aquela pessoa de sair dos teus pensamentos. Uma longa lista de clichés e lugares-comuns, com presença obrigatória em qualquer comédia romântica. O resto da história é contada nas estrelinhas de encontros e desencontros. Entre coincidências e acasos. Falhas de comunicação. Dramas, separações e reencontros. Um grande gesto romântico no final que ata todos os nós, e que conclui a história como um belo laço de seda, arrumado no topo de uma surpresa ainda por abrir.

Essa surpresa são todas as pequenas coisas que ficam por contar. Os actos mundanos filtrados pelo guião. As rotinas diárias que, fora algum diálogo, montagem, ou encontro inesperado, raramente fazem parte do produto final. As idas ao supermercado. Os passeios de mãos dadas. Brincar com os pratos que queremos comprar quando passamos por uma montra de cerâmica. As manhãs de Sábado passadas na cama. Deixá-la adormecer no teu colo enquanto vêem televisão. As longas viagens de carro e a habitual discussão sobre que música ouvir. Os silenciosos passeios à beira-mar. As brincadeiras com o gato, ou o cão, ou ambos. A partilha de tarefas. E todos os outros pormenores que dizem presente numa vida a dois.

São as pequenas coisas. São elas que me movem. São elas que mais desejo. Pormenores do quotidiano que, talvez por passarem despercebidos, vêem a sua magia ignorada pelo mais comum dos observadores. Contudo, é nestas coisas que penso quando penso em romance. Não. Não ignoro a paixão, o desejo, a química, o momento. Também sonho com inesquecíveis primeiros encontros em que todas as fichas caem no seu lugar. Com a ansiedade do primeiro beijo. Com a possibilidade do não. Com as noites eternas de partilha entre dois corpos apaixonados. Com os pequenos e grandes gestos que um romance nos apresenta.

Mas são as pequenas coisas o que mais desejo. Assim o é, pois tão raras foram as vezes que as tive. O desejo não é permanente, mas sim uma constante que se apaga assim que o seu objecto é alcançado. Com isto não afirmo desejar uma vida de monótona rotina. Não. Desejo sim essa rotina, não pela sua natureza previsível, mas pela magia dos pequenos detalhes, que apenas surge quando a partilhamos com alguém.

O consolo de descobrir uma caixa de Petit Gâteaus entre os congelados quando ela já tinha desistido de procurar. Juntar os pontos para lhe oferecer aquele peluche, desistir da ideia e tentar sequestrá-lo sem ninguém ver. O bolo que fazes antes dela chegar a casa, e que acabas por deixar queimar porque não atinas com aquele forno. Aquela série que vêem ao telefone quando estão distantes. Momentos para muitos banais. Para mim, únicos. Reais. Mágicos.

É a magia do dia-a-dia. É ela que me move. É ela que mais desejo. O Amor é descoberto entre os detalhes. Nas rotinas que partilham. Nos tempos mortos. Nas conversas. No silêncio. No trabalho. Na diversão. Nos sonhos. No presente. Nas tardes aborrecidas de Domingo. No fim-de-semana prolongado em viagem. No adeus no aeroporto. No até já do pequeno-almoço. A dois. A sós. Nas palavras. No pensamento. O Amor está lá. Dia após dia. No romance da rotina.

A paixão do dia-a-dia. É ela que me move. É ela que mais desejo.

Thursday, November 20, 2014

A Arte de Sonhar

La persistència de la memòria, Salvador Dalí 
Tenho uma espécie de dever de sonhar sempre, pois, não sendo mais, nem querendo ser mais, que um espectador de mim mesmo, tenho que ter o melhor espectáculo que posso. Assim me construo a ouro e sedas, em salas supostas, palco falso, cenário antigo, sonho criado entre jogos de luzes brandas e músicas invisíveis.

Bernardo Soares, Livro do Desassossego

Alimentamos pensamentos e desejos como sonhos por realizar. Deixamo-los crescer, por vezes esquecidos, por vezes silenciados, enquanto seguimos com o nosso dia-a-dia. Aquele instrumento que queres aprender a tocar, a língua impraticável em que queres ser fluente, os projectos que guardaste na gaveta, as viagens que ficaram por planear, o curso que ficou por tirar. As palavras que ficaram por dizer.

Todos guardamos os nossos sonhos. Esforçamo-nos para os concretizar. Lutamos por aquilo que desejemos. Dedicamos uma vida para os concretizar. Crescemos. Descobrimos os nossos limites. Adaptamo-nos, e colhemos os frutos do nosso esforço.

Os sonhos, esses, não só vivem de devoção e dedicação. Por vezes consomem-nos. Desistimos. Ignoramo-los. Fugimos antes mesmo que estes nos possam destruir. Damos ouvidos ao impossível, aos Velhos do Restelo, aos hiper realistas, criamos obstáculos que nós próprios somos incapazes de escalar. Deixamos que o vento os leve. Adormecemos. Esquecemo-nos. Guardamo-los em caixas, e engolimos as chaves.

É ténue a linha entra a acção e a inércia. O deixar para amanhã e o agir. Há alguns meses atrás, sentei-me para escrever. Não muito diferente de como estou a fazer agora. Não muito distante do local onde hoje me encontro. Não esteja a minha memória a trair-me e talvez estivesse eu neste mesmo sítio enquanto o fazia. Perco-me. Distraio-me. E desvio-me do assunto.

Há alguns meses atrás, sentei-me para escrever. Por entre as linhas, memórias e divagações, retomei um exercício já diversas vezes praticado desde que me recordo de escrever: fiz uma lista. Não uma lista de compras, ou de tarefas. Mas sim uma lista de sonhos, de objectivos e de desejos. Omiti apenas aqueles cuja clareza é tão transparente para mim como para qualquer pessoa cujo caminho se tenha cruzado com o meu. Omiti aqueles cujo controlo não me pertence. Concentrei-me naqueles que não dependem de mais nada que não de mim próprio, e da minha força de vontade.

Alguns são projectos a longo prazo que ainda não iniciei por falta de tempo ou de oportunidade, outros são actividades mais simples que, embora as circunstâncias do dia-a-dia por vezes mas roubem, têm permanecido constantes desde que essa lista ganhou forma. Encontro-me ainda longe de a completar. Ainda mais se contar com os desejos que guardo apenas para mim. Contudo, como em qualquer aventura, o que importa é partir. O primeiro passo. A vontade que ganha força para te mover.

Olho hoje para a minha lista e orgulho-me daquilo que já concretizei. Anseio pelos passos que ainda tenho por percorrer. E sonho com o futuro que estes me irão reservar.

Sugiro que façam o mesmo. Parem de me ler durante um ou dois minutos. Talvez mais se acharem necessário. Eu espero. Afinal, não vou a lado nenhum. Levantem-se das vossas cadeiras, camas, ou sofás. Procurem por um papel ou uma caneta. Se tiverem um caderno à mão, melhor. Um bloco também serve, embora nem todos o possam ver como o ideal. Afinal, não se sentiriam apertados se toda a vossa existência se resumisse a um pequeno bloco?

Nada de telemóveis, smartphones, computadores ou tablets. Esta tarefa exige um papel e uma caneta, mesmo que mais tarde optem por a digitalizar ou até mesmo por a transcrever. Voltem a sentar-se. Abram a janela, ou apenas as persianas, como anda o tempo, nunca se sabe o que nos reservam os ares do exterior.

Olhem para o vosso papel e escrevam. Façam a vossa lista. Escrevam uma carta para vós próprios, ou para alguém que desejam que a leia. Falem dos vossos sonhos, dos vossos desejos, dos vossos projectos. Escrevam sobre o emprego que gostariam de ter, o país que querem visitar, a língua que querem aprender, o instrumento que querem saber tocar, aquele objecto que querem muito comprar, o curso que ambicionam tirar. Os sentimentos que desejam partilhar. A vida que sonham ter.

Escrevam-na e guardem-na convosco. Hajam, mexam-se, façam algo pelos vossos sonhos. Cresçam. Realizem-se. Um passo de cada vez. Do mais simples e imediato, ao mais complexo e demorado. Pé ante pé. Até ao vosso destino.

Partam nesta aventura e, seja qual for o resultado, sorriam, pois pelo menos o fizeram. Tentaram. Falharam. Conseguiram. Por momentos foram felizes. Por momentos nada mais importou.

E isso, esses sonhos, são algo pelo qual vale a pena lutar.