Monday, December 23, 2013

O Regresso da Véspera da Véspera de Natal Parte VII

Design: Adriano Cerqueira
365 dias, 42 filhoses, 26 bilharacos, 15 indexações, 7 momentos de impacto, 2 rumos certos, um Mindo e 0 pencas depois, está de regresso o momento mais ignorado por toda a gente durante o ano, a Véspera da Véspera de Natal!

Era 23 de Dezembro. A noite antes da Véspera de Natal. A Véspera de Consoada. A Antevéspera. Enfim, era 23 de Dezembro. Como manda a tradição, o Zé estava a passear por um Centro Comercial qualquer, à procura das últimas prendas que, forçosamente, se deixaram ficar para o fim.

Enquanto lutava por entre as hordas de enraivecidas multidões que batalhavam pelo último bacalhau do Continente, como se este fosse a última Coca-Cola do Deserto. Patrocinado por uma bebida qualquer, como o Pôr-do-Sol daquela música. O nosso herói deparou-se com uma manjedoura algo perdida em um dos recantos daquele enorme não-lugar, edificado como hino ao capitalismo desbaratado.

Para seu espanto, esta manjedoura era a única coisa que, embora estivesse aberta, não tinha uma única fila para nela entrar. Levado pela curiosidade e pela necessidade de estar nalgum sítio onde pudesse esticar os braços sem que a sua mão se deparasse com as fuças de umas três ou quatro pessoas, o Zé dirigiu-se para a manjedoura.

Lá dentro estava o Menino Jesus, ora nas palhas estendido, ora nas palhas deitado. Jesus, o Jorge, também se encontrava lá, ajoelhado, a pedir a Deus que lhe concedesse as sete bolas de cristal, para que este pudesse chamar o Shenlong e pedir-lhe o desejo de continuar no banco do Glorioso por mais uns anitos.

Deus não parecia estar muito virado para lhe responder, mas o Menino Jesus ali estava, ora estendido, ora deitado, mas sempre nas palhas. Quando Jesus, o Jorge, terminou, chegou a vez do Zé. Jesus, o Menino, levantou-se e deu lugar à sua versão mais adulta. Não a que aparece no cartaz publicitário dos Pregos Garcia, mas a outra que andou a pregar pela Galileia, à la Diogo Morgado.

“Então moço, ‘tá tudo?”, perguntou Jesus.

“Meu, esse tipo de linguagem é tão 90’s que já chateia.”

“Bom, já estou um pouco farto de ter por aqui os espertalhões do costume que respondem ‘Tu não és meu pai’, sempre que lhes pergunto, ‘que te traz aqui, meu filho’.”

“Parece-me justo.”

“Ora não fosse eu Jesus, o Jorge… Quer dizer, o Cristo”.

“Honestamente, este ano não há propriamente algo que eu queira. Talvez, não ter que escrever esta história, fosse uma boa escolha. Mas tenho umas três pessoas que aguardam ansiosamente por este momento, ano após ano, e sinto que não lhes posso falhar.”

“Nesse caso, porque não ofereces a ti próprio um dia de descanso?”

“Mas, se não sou eu a valorizar o Dia 23 de Dezembro, quem o fará? O Eusébio, e a sua toalha? O Bruno, que é de Carvalho? A Menina do Gás? O Capitão Planeta? O Vasco da Gama? Um El-rei D. João, o segundo, o quarto, ou o sexto? O Fernando Pessoa?”

“Não sei, talvez possa ser o…”

“…não esse não! Esse, jamais (leia-se jamé como os franceses o fariam)”

Mas antes que o Zé pudesse concluir, a voz que todos temiam deixou-se entrar pela manjedoura a dentro.

“Isso é subjectivo”, respondia o Mindo, esse ser inexplicável daquela terra desconhecida, chamada Brasil.

“Rápido, finge que estás a ler, ou a olhar pela janela”, disse o Zé para Jesus, o Cristo.

O Mindo ficou confuso. Mindo usa arreliar. É super eficaz.

“Na verdade Zé, não tem mal nenhum em tirares um dia para ti. Fazer algo em cima do joelho, não merece a pena. Por vezes é bom parares para reflectires, e assim puderes escolher o caminho que o Senhor melhor indicou para ti”, concluiu o Mindo antes de esvanecer tão depressa como apareceu.

Jesus acrescenta, “sim, basta seguires o caminho por aquele corredor. Na esquerda tens umas escadas de acesso ao parque subterrâneo. Ninguém as usa, é uma boa forma de evitares a multidão.”

O Zé agradece e dirige-se para a porta da manjedoura, mas antes de sair, hesita e dirige-se uma vez mais para Jesus.

“Imagino que a maioria das pessoas que te procuram pedem conselhos, os números do Euromilhões, ou um jagunço para ir dar uns belos tabefes no Primeiro-Ministro e no seu Vice – a não confundir com a revista, site, ou seja lá o que aquilo for.”

“Podes crer, esta malta tem falta de originalidade, ou de inspiração digamos assim”, responde Jesus.

“Nesse caso, e embora eu saiba que o teu aniversário é apenas a 17 de Abril, dou-te os meus parabéns, este bolo de chocolate com cobertura de maçapão, e ainda uma camisola do Sporting CP, com o número 12, como presente.”

Jesus, paralisado de felicidade, e sem palavras perante este gesto tão atencioso, levantou-se e abraçou o Zé como se fossem velhos conhecidos que já não se viam há anos.

O Zé seguiu para casa e decidiu descansar. “Este ano vou dormir até tarde, dar um salto aos correios, ir para a Lan com o pessoal, e à noite vou ao Glicíneas ver o The Hobbit, A Desolação de Smaug”. Afinal, nada melhor do que homenagear um dia em particular, depois deste já ter acontecido.

Hoje já não é o dia 23 de Dezembro, mas no fundo, todos os dias são 23 de Dezembro. Excepto hoje, pois hoje é Noite de Consoada. Véspera de Natal. Noite de ceia feliz. Noite de Paz. Noite de família. Noite de folia. Mas, uma coisa, certamente não o é. Não é noite de Pencas.

Morram Pencas, morram! Pim!

Thursday, December 05, 2013

A Mais Bela das Artes

Hard Club, Porto, Foto: Blitz
Music has always been a matter of Energy to me, a question of Fuel. Sentimental people call it Inspiration, but what they really mean is Fuel. I have always needed Fuel. I am a serious consumer. On some nights I still believe that a car with the gas needle on empty can run about fifty more miles if you have the right music very loud on the radio.

Hunter S. Thompson

A Música é uma constante. Define momentos. Alimenta a nostalgia. Afoga o silêncio. Enche o espaço. E recarrega a alma. Entretém-nos em longas viagens a sós. Inspira-nos. Apazigua uma manhã parada no trânsito. Dá cor a uma conversa. Liga-nos. Liberta-nos. Desbloqueia o preconceito. Desinibe o nosso corpo. Faz do sonho, realidade.

Cada um de nós tem as suas histórias. As suas canções. “Há quanto tempo não ouvia isto”. Um simples acorde e somos levados para outro tempo, para outro lugar. Um refrão, e um sorriso toma conta da nossa face. Um excerto de uma letra, e os nossos olhos enchem-se de lágrimas. Cada melodia, uma reacção diferente. Distinta de ouvinte para ouvinte. Sempre pessoal, nunca indiferente.

Há diversos momentos que associo a uma música, a uma banda, ou a uma letra em particular. Muitos, demasiado pessoais para os poder partilhar. Alguns onde uma determinada música, ou um concerto por inteiro, são os principais protagonistas. E outros em que a letra de uma música transporta os meus pensamentos para outros universos, realidades distintas da nossa, ou simples recordações.

Um desses momentos foi a primeira vez que ouvi a Untouchable dos Anathema ao vivo. Reservei a data do concerto no Hard Club do Porto com alguns meses de antecedência. Sempre presente na minha agenda, ficou esquecido nos recantos da minha memória. Por falta de tempo, e de pesquisa, ignorei o facto de os Anathema terem lançado um novo LP, o Weather Systems. O concerto ia ser o meu primeiro contacto com este álbum.

Por entre músicas familiares, surgiu a Untouchable. Mesmo hoje, sou incapaz de descrever o que senti naquele momento. A energia que me envolveu. As emoções que trespassaram o meu coração, e ganharam vida naqueles segundos. Ouvi cada acorde, cada letra, com completa atenção. Fiquei paralisado com a beleza daquela melodia. Naquele instante, nada mais existia. Apenas o belo e sereno aroma de algo que, tão profundamente, toca na tua alma, e que se deixa envolver num terno abraço de compreensão e empatia.

Uma surpresa agradável. Uma experiência irrealizável.

A música também pode servir como uma escapatória. Um meio para libertar frustrações e limpar a tua mente de pensamentos negativos. Em 2011, por obra do acaso, o dia de defesa da minha tese de mestrado coincidiu com a data do concerto dos Within Temptation no Coliseu do Porto. A prenda ideal, a celebração necessária para apagar toda e qualquer tensão que aquele dia podia revelar. E assim foi. Saí do concerto sem voz. Numa noite fria de Outubro, estava completamente suado da cabeça aos pés. Saí de lá sem energias, e com uma sede dos diabos. Mas sentia-me livre. Pronto para um novo começo.

Foram vários os concertos marcantes a que já assisti. Do inigualável espectáculo dos Bon Jovi em 2008, até ao sonho tornado realidade de ver os New Order ao vivo, na sua última tour em 2005. Poder cantar todas as músicas daquela que é a minha banda de “todos os tempos”, tão próximo deles. Vê-los a corresponder ao meu pedido para que tocassem a Regret. Sentir de perto a melancolia da última despedida de uma banda com décadas de existência, e incrivelmente desconhecida pela grande maioria da minha geração.

Incontáveis histórias. Entre concertos, festivais, álbuns, vinis e CDs. Incontáveis momentos. Vividos na companhia desta eterna constante da própria condição humana. Uma arte única. Um acto de criação que nos eleva mais próximos do divino. A eterna vitória sob o inóspito e silencioso desconhecido destino.

Mesmo enquanto escrevo estas palavras, ouço atentamente à inspiradora melodia de Explosions in the Sky. Agarro-me a eles para apagarem o silêncio, para orientarem os meus pensamentos, e para guiarem os meus dedos, na construção desta sinfonia literária que, também ela, reflecte nos seus parágrafos cada nota, e cada composição, da mais bela das artes. A música.