Tuesday, August 20, 2013

Vazio de Ideias

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No outro dia estava a tentar escrever a minha habitual crónica para a Her Ideal. O primeiro parágrafo até estava aceitável, mas não posso dizer o mesmo do resto. Notas soltas, desligadas umas das outras. Cada frase que escrevia, parecia-se com o início de uma história diferente, ligada à anterior, apenas e só pelo tema em geral que tentava abordar.

Tardei em chegar aos três mil caracteres. Alonguei-me. Resisti até ao último segundo. Insisti em algo que não me agradava. Em algo desconexo. Sem sentido. Algo que não merecia ser assinado por mim. Não naquele estado. Desisti. 

Queria apagá-lo. Rasgá-lo. Queimá-lo. Observar de perto a envolvência das chamas no papel. Até que a última letra se transformasse num negrume carbonizado de algo que, em tempos, se assemelhava a uma folha de papel. 

Não o fiz. Guardei-o para nunca mais recordar. Algumas tiradas tinham o seu quê de qualidade. Podem um dia vir a ser úteis. Afinal, em três mil caracteres alguma coisa se há de aproveitar. Quem sabe, um dia. Não hoje, mas um dia. 

Em conversa, surgiu-me outro tema. Mais aborrecido. Um pouco desinteressante. Longe de se identificar com o estilo que venho a construir ao longo dos últimos meses. Afinal, todos nós temos os nossos momentos de falta de inspiração. De desenrascanço face à triste meretriz do tempo, e dos prazos de entrega. 

Escrevi a nova crónica em três tempos. As palavras fluíam com maior facilidade. Conexas, emocionais. Mas aborrecidas. Excessivamente aborrecidas. Ontem dei por mim a suspirar “ennui” enquanto preparava o jantar. Isto talvez faça de mim um promíscuo presunçoso. Quem de seu perfeito juízo, suspira em voz alta “ennui” para uma cozinha vazia? 

Este sentimento assolou-me nas últimas semanas. Culpo-o pelo desastre que foi aquela tentativa de artigo que nunca o será. Culpo-o pela alternativa aborrecida que dali saiu. 

Não espero, nem tão pouco desejo, que tudo aquilo que eu escreva seja bom, inspirador, ou até mesmo capaz de apelar à mais íntima profundidade das emoções dos meus leitores. Reservo isso para alguns rasgos de genialidade que povoam a minha escrita, sempre que as Musas, e a minha barreira de procrastinação o permitem. 

Culpo o meu aborrecimento, assim como culpo o meu espírito de laissez-faire. Preguiçoso procrastinador, que nem sempre se safa sob a pressão do deadline. Infelizmente não consegui fazer melhor desta vez. Cheguei mesmo a sentir alguma desilusão em resposta ao meu novo artigo. Paciência. Não sou perfeito. Nem tão pouco organizado. Não desejo a perfeição, mas procuro-a no caótico limiar arquivista do meu pensamento. 

Peço. Não. Imploro, o perdão dos meus fieis leitores que, por antecipação, sofrem agora de um profundo desapontamento por aquilo que eu escrevi, mesmo antes de o terem lido. Farei melhor. Um dia. Farei melhor.

Thursday, August 08, 2013

Vem Sentar-te Comigo, Maria, à Beira do Rio

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Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.

Ricardo Reis

Incontáveis. Inúmeras. Perdemos a conta às pessoas que passam pela nossa vida. Desconhecidos que nos acompanham por breves instantes. Amigos que caminham ao nosso lado. Cada um, uma personagem, uma vida, um destino. 

Hoje, sento-me na beira da estrada. Por entre a multidão, alguém se destaca. Chamo-a e ouço a sua história. 

Maria. Longe de ser a primeira candidata para rainha do baile, raro era o rapaz que não reparava nela. Sempre presente nas festas e nos eventos mais importantes, Maria possui uma aura única que atrai as pessoas para ela. Convicta e determinada, nenhum obstáculo a impede de lutar pelos seus objectivos. Maria constrói o seu destino com as suas próprias mãos.

Nos tempos do liceu, era comum encontrá-la na biblioteca durante os intervalos. Com um livro de arquitectura nas mãos, e um brilho nos olhos. A sua paixão por esta arte era algo que a acompanhava desde muito cedo. Passear por uma cidade com ela, abria os olhos de quem a acompanhava, para os mais ínfimos pormenores de beleza de todos aqueles edifícios históricos, que apenas Maria conseguia encontrar.

A cidade ganhava vida. Como se uma doce música entoasse em perfeita sintonia, a cada esquina que ela passava, a cada sílaba que ela dizia, a cada peça de arte que ela revelava. 

Maria seguiu o seu sonho. Viajou. Acabou o curso. E acordou para a realidade. Mas não deixou o desespero apoderar-se do seu espírito. Maria bateu a todas as portas. Quando nenhuma se abriu, voltou a viajar. Inglaterra, Dinamarca, Suécia e Estados Unidos. Uma cidade nova a cada ano que passava. Uma nova porta que se abria. Uma carreira construída a custo, com um elevado nível de satisfação.

Não teve medo. Arriscou. Construiu a sua própria escadaria de sucesso. Cada degrau trabalhado por lágrimas de esforço. Por boas e por más recordações. Por erros e por rasgos de génio. Por competência e desleixo. Por ensino e experiência.

Maria chegou mesmo a conhecer alguns dos seus ídolos. Seguiu os seus passos, e hoje trabalha em proximidade com alguns deles. O sonho de Maria, virou paixão e desejo. A cada dia que passa, aquela rapariga de uma pequena cidade portuguesa, torna-se num exemplo de perseverança. 

O seu sonho é hoje realidade pois Maria não teve medo de partir. Não teve medo de olhar a adversidade nos olhos, e de sorrir perante o desafio. 

É difícil deixarmos a nossa casa. A nossa família. Os nossos amigos. Mas por vezes, é necessário. Maria não se conformou. Não aceitou algo abaixo da sua ambição. Tudo que ficasse aquém daquilo que desejava, não era suficiente. 

Maria é hoje uma cidadã do Mundo. Uma arquitecta de renome. Estável e concretizada. Feliz por ver o seu sonho realizado. E por saber que aquela adolescente que passava os intervalos na biblioteca, olha hoje para ela com orgulho e admiração.

Comovido pela sua história, despeço-me de Maria. Tal como o resto da multidão, também ela segue o seu caminho, levando consigo apenas a certeza de que nada a irá impedir de alcançar o seu destino.

É difícil sairmos da nossa zona de conforto. É difícil arriscar. Deixar tudo para trás. É difícil, mas a perda é passageira, quando o ganho é tão elevado. Tristeza apenas sente quem abdica do seu destino. Quem se conforma. Quem desiste.

Levanto-me. É hora de me fazer à estrada. Longe da multidão, levo comigo a história de Maria. Inspiração para o caminho que se segue. Motivação para o desconhecido que o amanhã reserva para todos nós.

Thursday, August 01, 2013

A bifurcação na estrada da Serra

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Existem escolhas que nos definem. Algumas mais importantes que outras, mas todas elas são reflexos das nossas acções, e do carácter que revelamos no momento em que somos obrigados a decidir. As grandes decisões, embora exijam maior concentração e empenho, não são tão reveladoras como as pequenas resoluções rotineiras que fazemos em milésimos de segundo. Por instinto. Espelhos transparentes do nosso ego. Construídas pela nossa experiência, e sustentadas na mais pura base do nosso ser.

No Domingo passado, regressei à Covilhã no Expresso do costume. Devido à menor procura nos meses de Verão, o número de autocarros da Rede Expresso entre Albergaria e Covilhã é reduzido. Isto força uma viagem de duas horas e meia com paragem na Guarda, a atrasar-se mais vinte minutos, obrigando os passageiros a pararem também em Viseu. 

Embora esses vinte minutos não sejam uma diferença significativa, causam um transtorno extra, pelo menos para mim. As noites de fim-de-semana na Covilhã são parcas em transportes públicos. Facto que piora bastante durante os meses de Verão. Normalmente, chego à Covilhã por volta das onze e vinte da noite, hora ideal para apanhar o autocarro que pára mesmo em frente ao meu apartamento.

Durante o resto do ano, mesmo se o Expresso se atrasar, consigo sempre apanhar um ou outro autocarro que, não sendo o que pára em frente à minha porta, pára suficientemente perto para compensar o gasto na viagem. Já no Verão, isto não acontece. Se perder o autocarro das onze e vinte, apenas tenho outro à meia-noite e seis. Normalmente, o Expresso chega depois das onze e quarenta, deixando-me, no máximo, com uma espera de vinte minutos. Contudo, este fim-de-semana não tive igual sorte. O Expresso adiantou-se e chegou por volta das onze e meia. 

Estava frio. A mala estava pesada, mas não trazia comigo roupa quente. As possíveis soluções seriam esperar lá fora durante mais de meia hora, gastar dinheiro num Táxi, que mesmo numa cidade pequena como esta, são ridiculamente caros, ou ir a pé. Não hesitei, fui a pé. Para memória futura, o meu apartamento fica no alto. O espaço que o separa da Central de Camionagem, corresponde a uma caminhada de mais de quarenta minutos, sempre em escada, com um, ou outro, ponto de descanso. 

Apenas tinha feito este caminho a pé uma vez. Na primeira noite, não sabia que autocarro devia apanhar, nem tão pouco qual o preço do bilhete. O caminho parecia-me fácil e aventurei-me. Uma parva decisão, da qual ainda hoje me arrependo. 

Na noite de Domingo, a ideia de voltar a subir aquilo tudo com a mala à mão, tão pouco me agradava. Mas estava frio. Não queria arriscar uma constipação. Queria chegar a casa, comer alguma coisa e deitar-me.

Pelo caminho, apenas pensava em como este episódio era um excelente momento de auto psicanálise. Se esquecer a hipótese de viajar de Táxi, podia ter optado por dois caminhos. O primeiro implicava bastante esforço e sofrimento. Um percurso árduo, amplificado por um fardo pesado, sem nenhuma ajuda para o carregar. O segundo, uma longa espera, solitária e fria. Uma espera de sofrimento e introspecção, que tardaria a levar-me até ao meu destino.

Perante esta decisão, escolhi fazer o meu próprio caminho. Por mais árduo que este fosse, e por mais pesado que o fardo de carregar a mala parecesse, não hesitei ao dar o primeiro passo. Fi-lo consciente da difícil tarefa que tinha pela frente, e da recompensa que me aguardava após a sua conclusão.

Cheguei a casa mais cedo do que previa. Fiz o caminho por etapas. Parei para descansar e beber água sempre que sentia necessidade. Degrau a degrau, subida a subida, cheguei ao meu destino. Cansado, sim. Exausto, mas vivo. Venci a subida da Serra, e o frio da noite. 

São estas pequenas rotineiras decisões que nos definem. São elas que nos moldam e que revelam a nossa verdadeira natureza. Hoje, não me arrependo do cansaço que senti, ou da energia que gastei. Hoje, escolhia o mesmo caminho. Hoje, conheço-me um pouco melhor.