Tuesday, May 07, 2013

O dia em que nada fiz

Passava pouco das seis e meia da manhã quando acordei de sobressalto. O meu braço doía, estava dormente. Abri a boca para respirar como se da primeira vez se tratasse. Arrastei a minha mão para o lado em esforço. A pouca mobilidade que restava ao meu braço era apenas suficiente para redistribuir o peso do meu corpo. 

Fiquei ali. Deitado. Ligeiramente ofegante. À espera. À espera que a circulação regressasse. À espera para voltar a ter forças para me mexer. Sentia o calor dos primeiros raios de sol a penetrarem no meu quarto através dos interstícios da persiana. Aguardei alguns momentos até poder sentir novamente a minha mão. A vida. A força. A agilidade tinha regressado. Finalmente era capaz de me mover.

Virei-me de barriga para cima e direccionei o meu olhar para o tecto. Fechei os olhos durante alguns momentos. Mantinha-os cerrados na tentativa que o sono regressasse. Não me lembro. Não me consigo lembrar. Estaria num local feliz ou a fugir de outro pesadelo. Não me consigo lembrar. Abri os olhos.

O sol incidia com maior intensidade através da janela. Voltei-lhe as costas e estiquei o braço. Embora o meu quarto começasse a ter alguma claridade, grande parte ainda permanecia envolvida na escuridão da noite. Procurei o meu telemóvel na mesa que mantenho convenientemente distanciada da minha cama. É mais fácil convencer o meu corpo a largar o seu terno e confortável abraço se uma vontade maior me obrigar a levantar. 

Encontrei o meu telemóvel e puxei-o para mim. Fiquei incrédulo a olhar para as horas. Era cedo. Demasiado cedo para alguém que apenas se tinha deitado à uma da manhã. Coloquei-o de volta na mesa e tentei adormecer. Acordava atordoado de tempos a tempos sem nunca conseguir regressar ao meu sonho. Sem nunca conseguir voltar a descansar.

Sete e meia. Aquele toque inconfundível despertava-me de um estado de profundo ennui. Calei-o com o deslizar de um dedo. Tenho saudades do meu despertador de casa. De acordar com a rádio e não com um toque cíclico, impessoal e imelodioso. É tão anti climático silenciá-lo assim. Sinto falta de carregar com força num botão duro e rugoso e de violentamente martelá-lo por inúmeras vezes. Forçá-lo ao silêncio a cada nove minutos até àquele momento de auto-realização em que descubro que estava a pressionar o botão errado. 

Tenho saudades do despertador do meu quarto. Este é o meu quarto, mas não é o meu quarto. Não é o meu quarto, é apenas meu. 

Voltei a cerrar os olhos. Mais meia hora. Pensava. A latência tomou lugar e o tempo passou. Lentamente contava os minutos. Sem adormecer. Sete e quarenta e três. Sete e quarenta e sete. Às oito acordo. Às oito.

Eram oito e seis quando o tempo começou a acelerar. Oito e um quarto. Tinha que sair de cama. Era tarde. Não me sentia atrasado. Mas estava. Muito atrasado. Levantei-me e o tempo regressou ao seu ritmo natural.

Abri a janela. Sol. Uma mentira que ameaçava ter curta duração. As montanhas prolongavam-se até ao horizonte. Silêncio. Apenas o som constante da queda de água alimentava os meus ouvidos. Abri as gavetas e procurei a roupa que ia usar naquele dia. Queria apenas regressar à minha cama. Regressar a um sonho qualquer. Mergulhar nesse mundo e deixar-me envolver pelos lençóis. Perder-me eternamente num profundo relaxamento. Perder-me até que a vontade de acordar fosse mais forte que o sono.

Oito e cinquenta e três. Estou a olhar para o frigorífico. O pacote de soja que ontem tinha aberto não estava lá. Não estava lá. Talvez se tenha estragado de um dia para o outro. Encontrei-o no armário e ainda estava por abrir. O anterior ainda tinha um resto que eu guardei do fim-de-semana. Usei-o ontem. Agora lembro-me. Derramei os cereais e deixei-os envolver pelo líquido de soja. Tomei o pequeno-almoço com uma lenta pressa. 

Olhava para o relógio da cozinha enquanto comia. Trocava o meu olhar entre o prato e o relógio. O prato e o relógio. Silêncio.

Mais ninguém estava acordado. Apenas eu. Apenas eu. Eram nove e dez. Sem tempo para lavar o prato dirigi-me para o quarto. Calcei-me. Peguei nas chaves e saí. Começava a descer as escadas quando reparei que o elevador ainda ali estava. 

Não tenho por hábito usá-lo. Não para descer. Nunca para descer. Mas hoje abri a porta e entrei nele. Saí para a rua impressionado com o agradável calor que se fazia sentir. Ontem ameaçara chover, sem efeito.

Cruzei-me com estranhos. Alguns inéditos nestes meus passeios matinais. Outros, já conhecidos por frequentarem aquele local àquela hora. A todas as horas de tudo o que eu sei. Pois deles nada conheço além da sua habitual presença. 

Estavam menos carros estacionados no passeio. Menos do que é costume. A passadeira estava verde e algumas pessoas já passeavam e conversavam umas com as outras, ou apenas consigo próprias. 

Apanhei o elevador quando este estava a descer. Oito e vinte e três. Aguardei. Ontem estava avariado e vi-me forçado a descer aquela escadaria. Parava de tempos a tempos para contemplar a paisagem. Parava de tempos a tempos, pois olhar para o chão não me favorecia tão pouco as costas ou o pescoço. 

Chegou a minha vez. Calculei o tempo máximo de espera para alguém que tivesse o azar de o perder mal este iniciasse a sua descida. Ou a sua subida. Quatro minutos. Maios ou menos. Não é uma ciência exacta. Eu não sou exacto.

Chegado cá abaixo comecei a andar. Encontrei um tazo no chão. Estava estragado. Olhei para ele e continuei a andar. Ignorei-o como ignorei as cartas rasgadas daquela noite. 

Nove e meia. Cheguei ao meu destino. Não me atrasei. Nem um minuto. Estava atrasado quando acordei. Estava. Não estou. Não mais.

Era manhã quando acordei. O sol iluminava o meu quarto. Agora é tarde e já há muito que estou acordado.

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