Friday, March 29, 2013

A propósito de José Sócrates, da liberdade de expressão e do Angry Mob Syndrome

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I may disapprove of what you say, but I will defend to the death your right to say it
Evelyn Beatrice Hall

Ao longo do meu percurso académico foi muitas vezes levantada a problemática sobre a necessidade de investimento em educação para os Media. Não apenas no sentido de alertar as pessoas contra os perigos de um aproveitamento negligente dos conteúdos mediáticos mas também para criar um núcleo de espectadores, leitores, ouvintes e utilizadores crítico, com capacidade de seleccionar conteúdos de qualidade e de compreender todos os processos existentes desde a ideia inicial até à publicação do conteúdo.

Por diversas vezes deparei-me com situações aberrantes, e até mesmo cómicas, de pessoas que acreditavam que não existia diferença entre um jornalista e um apresentador, um guionista e um realizador ou um animador e um locutor. Sem querer entrar no domínio do controlo dos Media por grandes poderes económicos e políticos, ou pela visão Orwelliana tão bem retratada pelos Green Day na sua música American Idiot com a frase “uma nação controlada pelos media”, senti a necessidade de esclarecer certos processos relativos ao jornalismo televisivo que, infelizmente, a generalidade do público desconhece.

Ao contrário daquilo que é referido em algumas das petições e comentários que têm surgido contra a presença de José Sócrates na RTP, um comentador político, ou qualquer outro tipo de comentador não é pago pela estação para exercer esse papel. Um comentador, de forma semelhante a um entrevistado, é alguém que é convidado pelo canal para esclarecer um determinado assunto devido à sua experiência e às suas capacidades comprovadas numa área em particular. Existem pontuais excepções, principalmente a nível do comentário desportivo, quando essas pessoas passam a ter uma presença regular num espaço informativo específico. 

A própria competição entre os diversos canais motiva que por vezes seja oferecido um salário para conseguirem conquistar a vontade desse comentador. Contudo, como já foi esclarecido, a norma é que o comentário noticioso seja uma tarefa pro bono realizada mediante a disponibilidade da personalidade em questão.

Esclarecido este ponto, preocupa-me também o escrupuloso ataque à liberdade de expressão. A liberdade de expressão é uma faca de dois gumes. Se por um lado esta defende que José Sócrates deve ser livre de dizer o que bem lhe apetecer e de comentar a actualidade política numa televisão pública, por outro lado os peticionários também são livres de protestarem contra isso. Embora não concorde com o que eles dizem e apesar de achar a sua causa infundada e uma completa perda de tempo, defendo a sua liberdade para o fazer. Por vezes esquecemo-nos que vivemos num estado democrático onde todas as pessoas têm o direito de ser ouvidas e de se pronunciarem como bem lhes aprouver sobre todo e qualquer assunto. 

Contudo, questiono os reais motivos por detrás deste movimento anti-José Sócrates. Tudo bem que o nosso antigo Primeiro-Ministro está longe de ser uma figura que tenha gerado consensualidade. Tal como a Marmite, José Sócrates é aquele tipo de figura pública que ou adoramos ou detestamos sem deixar margem para qualquer meio-termo. 

Embora considere que ele cometeu alguns erros durante o seu mandato, também reconheço que fez muitas coisas boas. Considero-me uma pessoa bem informada com uma visão abrangente sobre os comportamentos dos mercados internacionais, das agências de rating, da dívida externa e das minúcias da estratégia política, e por isso compreendo que a culpa sobre o agravamento do défice e sobre a entrada da ajuda financeira externa em Portugal não recai sobre o governo de José Sócrates, mas sim sobre a crise económico-financeira mundial e sobre a instabilidade política que levou à queda do anterior governo, motivada pela ambição desmedida do PSD e de Passos Coelho. Factos esses que o actual governo tem constantemente ignorado e que, infelizmente, a generalidade do público, perpétuo sofredor do síndrome de memória curta, já se esqueceu.

Levanto assim a seguinte questão: Não terá esta petição uma mãozinha do actual governo? Quererão eles atirar areia para os olhos do público, aproveitando-se de um ódio irracional contra o anterior Primeiro-Ministro? Por incrível que pareça, até o Miguel de Sousa Tavares concorda comigo neste ponto, tendo levantado estas mesmas questões há dias na TVI. 

Não deixa de ser coincidência que todo este alarido em volta de José Sócrates surja na mesma altura em que se discute a constitucionalidade do actual Orçamento de Estado. Altura em que o PS lançou uma Moção de Censura com o objectivo de derrubar o actual governo. E altura em que o próprio Passos Coelho foi alegadamente ouvido a afirmar que se demitia se o actual orçamento não fosse aprovado pelo Tribunal Constitucional. Um jogo de bastidores típico de manobras de diversão à la Hollywood. 

Porquê levantar tanta contestação contra o comentário político de José Sócrates quando temos o Pacheco Pereira na SIC Notícias com um programa próprio em que ele fala sozinho para a câmara durante meia hora. Ou quando o Marcelo Rebelo de Sousa, que chegou a ser falado como candidato a primeiro-ministro, anda a saltar de canal em canal a comentar a actualidade, alimentando os seus bolsos com a sua carreira televisiva, praticamente pondo de parte a sua faceta política. Tudo bem que nenhum destes senhores se encontra actualmente numa estação pública de televisão, nem tão pouco tiveram eles a influência ou o poder de decisão de José Sócrates no passado recente da vida política portuguesa. Mas precisamente por isso, porque devemos então sentirmo-nos ameaçados por ele ir para a RTP comentar a actualidade política? Se existe alguém que tem capacidade para isso é um antigo Primeiro-Ministro.

Deixemo-nos de demagogias, afinal, não é a RTP o canal que ninguém vê e que apenas existe para saquear os bolsos dos contribuintes? Porque se preocupam tanto com os seus conteúdos? Não gostam de José Sócrates? Sabem que existem mais três canais por onde escolher? As pessoas que têm um serviço de televisão por cabo até têm mais de cem. E quem vê televisão hoje em dia, quando há tão pouco tempo para navegar na internet e conviver com os amigos do facebook?

Há assuntos mais importantes com os quais se preocuparem que não o comentário de José Sócrates. Se não gostam dele, não vejam. Se têm medo que ele traga à tona alguns factos que o actual governo tem andado a esconder, deixem-no ser ouvido. 

No dia em que permitirmos que alguém seja calado pela mera vontade de um grupo irracional e desinformado, ou que esse mesmo grupo seja impedido de se pronunciar, é o dia em que a democracia morre.

Wednesday, March 27, 2013

Os Oceanos Astrais de Eureka SeveN: AO

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Concluída a história de Renton e Eureka, não esperava alguma vez ver nascer uma sequela ou tão pouco um spin-off do anime. As notícias que davam como inevitável a descontinuação da Manga por parte da Bandai também não ajudaram a alimentar qualquer sonho de voltar a ver o Nirvash a surfar pelos céus. Mas, felizmente, todas as previsões provaram estar erradas com o lançamento de Eureka SeveN: AO (Astral Oceans). 

Mais do que uma sequela de Eureka SeveN, Astral Oceans segue a história de Ao Fukai, filho de Eureka e Renton que após um acidente encontra-se “naufragado” com a mãe no século XXI no estado independente de Okinawa. Num mundo divido pelo controlo dos Scub Corals e pela energia que estes produzem, Ao vive nas sombras de uma complexa guerra geopolítica entre os E.U.A., o Japão, Okinawa e uma organização independente sediada na Suíça sob o nome de Generation Bleu

A infância de Ao é manchada pelo desaparecimento de Eureka e do seu Nirvash durante um Scub Burst quando ele tinha apenas três anos. Ao permanece na ilha de Iwato Jima sob os cuidados do Dr. Toshio Fukai, amigo de Eureka, que acaba por o criar como se fosse o seu próprio filho. Aos 13 anos, Ao descobre uma nova versão do Nirvash capaz de operar sem a Compac Drive que serviu de motivo para a apresentação de Renton na história original de Eureka SeveN. Este novo LFO foi criado por Renton num futuro longínquo e responde apenas aos comandos de Eureka e de Ao. 

Com o seu recém-descoberto Nirvash Ao junta-se à Generation Bleu no combate aos Secrets, robots parasitas que atacam os Scub Corals e que são capazes de causar Scub Bursts ao entrarem em contacto com os mesmos. Ao abandona a ilha de Iwato Jima e junta-se à equipa Pied Piper, a principal linha de defesa da Generation Bleu contra os Scub Corals. 

Eureka SeveN: AO apresenta-se como uma sequela que desde o início se desmarca da história original. As alterações constantes à linha do tempo e a indefinição sobre a real natureza de muitos personagens tornam Astral Oceans numa versão muito confusa e atrapalhada de Eureka SeveN. Os argumentos paralelos e as histórias secundárias afastam em demasia a atenção dos espectadores. Personagens com fortes características de anti-heróis são desaproveitadas episódio atrás de episódio apenas para culminarem num final que, de certa forma, desapontou aqueles que seguiram afincadamente a série desde o início. 

Astral Oceans deixa a ideia de que foi criada à pressa e com episódios a menos para a história que tinham planeado contar. Embora os primeiros episódios apresentem um enorme potencial, a partir do momento em que a linha do tempo é alterada, a história torna-se confusa e difícil de seguir. Na segunda metade da temporada o ritmo frenético com que os episódios são contados faz crer que os guionistas só se aperceberam que apenas tinham 24 episódios para contar esta história quando a produção já ia a meio. 

Embora Eureka SeveN: AO se apresente como uma sequela de Psalms of Planets, a história em si é na verdade um spin-off. Temas como a relação entre Ao e Renton, a sua paixão por Naru, e o discreto triângulo amoro entre Fleur, Elena e Ao, são abordados de uma forma displicente e superficial. Os fãs que esperavam mais informação sobre o futuro do mundo de Eureka SeveN, vão ter que esperar por uma nova temporada, pois Astral Oceans apresentou esse assunto com demasiados buracos para ser capaz de contentar a curiosidade do fanático mais modesto.

Apesar dos diversos defeitos de Astral Oceans foi bom voltar a ver histórias ligadas ao Universo de Eureka SeveN, ao mesmo tempo que descobrimos novos pormenores sobre o futuro de Eureka e Renton. As novas personagens possuem um background e uma profundidade interessantes com bastante potencial para serem exploradas em futuros episódios.

Foi confirmado recentemente que Bones está a produzir uma nova temporada de Eureka SeveN com estreia marcada para este Verão. Até ao momento ainda são poucos os pormenores que se conhecem, tão pouco se pode afirmar que se trata de uma sequela de Astral Oceans ou de outra história paralela a Eureka SeveN. Até lá estarei atento às novidades, mantendo a esperança de que esta nova temporada corrija os erros da série inaugural de Ao.


Saturday, March 16, 2013

Good Night, Sleep Tight, Old Friend

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Dezasseis de Março de 2013. Uma data que facilmente será esquecida pela maioria das pessoas, mas não por mim. Hoje, o MSN Messenger fica online pela última vez. Embora a migração dos contactos para o Skype possa ser feita até 30 de Abril, foi esta a data escolhida pela Microsoft para pôr um fim ao Windows Live Messenger.

Enquanto escrevia este artigo decidi ligar o meu Messenger por mera curiosidade. Já há algum tempo que fiz a migração dos meus contactos para o Skype e a minha conta de Hotmail já se encontra sobre a alçada do Outlook há alguns meses. Não me lembro da última vez que liguei o meu Messenger, certamente já deve ter passado quase um ano desde a última vez que fiquei online, isto sem contar as ocasionais visitas à minha caixa de entrada do Hotmail. 

Neste preciso momento tenho apenas dezasseis pessoas online, a maioria das quais são contactos do facebook que apenas aparecem aqui por ter as duas contas ligadas. Não esperava ser capaz de sequer conseguir aceder ao Messenger mas visto que o prazo de migração de contactos foi alargado até 30 de Abril, possivelmente terei ainda algumas semanas para visitar este velho amigo que há muito tenho negligenciado.

Nunca pensei que eu próprio seria capaz de me desligar do Messenger e trocá-lo de forma tão ligeira pelo chat do facebook e pelo Gtalk. Embora o Messenger não fosse, no sentido mais lato da palavra, uma rede social, nem tão pouco proporcionasse o anonimato ou a casualidade de encontros do IRC, foi durante anos um local predilecto para aprofundar uma relação entre duas pessoas ou para simplesmente ter uma boa conversa. São incontáveis os casos de amigos e colegas que conheci através da vida real, do IRC ou das redes sociais, que fiquei a conhecer melhor por causa da particularidade intimista de interacção um para um que o Messenger possibilitava. 

Foi com alguma relutância que em 2003 migrei do IRC para o Messenger. Na altura via o Messenger como uma sala fechada. Um espaço que não permitia que conhecesses outras pessoas além da tua lista de contactos e que, ao contrário do IRC, tornava mais difícil esconderes-te por trás de um nick. Hesitei bastante. Durante muito tempo mantive os dois programas ligados. Fui gradualmente perdendo interesse pelo IRC até ao ponto em que simplesmente já não tinha motivos para o visitar. Assim que todas as pessoas que me eram próximas passaram a figurar nos contactos do Messenger, fechei as portas do IRC de igual forma como nos últimos anos troquei o Messenger pelo facebook. 

Nunca fui grande fã dos extras que este programa nos fornecia. Raramente tive uma conversa através da webcam. Partilhei pontualmente documentos e ficheiros com colegas do liceu ou da faculdade ou com amigos que queriam dar-me a conhecer novas músicas ou ouvir algumas das bandas que eu gostava na altura. Conto pelos dedos as vezes que joguei algum jogo e na maioria dos casos foi mais por insistência da outra pessoa do que por vontade minha. Para mim o Messenger sempre foi um espaço de chat. Uma plataforma que me permitia ter uma boa conversa com alguém ao fim de um longo dia de aulas ou de trabalho.

Lembro-me das horas que passava impaciente à espera que uma certa pessoa ficasse online. Da frustração de deixar uma conversa a meio sempre que a Internet ia abaixo. E do desespero que sentia quando o Messenger passava horas ou até mesmo dias em manutenção sem permitir o acesso dos seus utilizadores. Tudo isto já faz parte do passado.

As redes sociais e as plataformas de comunicação são feitas de pessoas. Por mais que alguém queira resistir acabamos sempre por ser forçados a seguir a vontade da maioria dos nossos contactos. Quando estes optaram por trocar o Messenger pelo facebook, por mais relutante que eu fosse em aceitar a mudança e por mais incómodo que seja falar com alguém através de um browser, no fim não me restou alternativa que não desviar a minha atenção deste programa e focá-la inteiramente no facebook. 

Sim, há já algum tempo que existem diversos programas que possibilitam unir várias contas de chat e o próprio Messenger também isso permite. Contudo, sou avesso a esse género de conglomerações. Torna-se confuso ver a mesma pessoa ligada em três ou mais locais distintos, tornando assim complexo todo o processo de falar com alguém. Processo esse que deve ser sempre simples. 

O Messenger caiu vítima daquilo que eu próprio receava na altura da transição do IRC. Uma sala fechada apenas te permite ver aquilo que colocas lá dentro. O facebook e o twitter abriram de novo as portas à possibilidade de conheceres pessoas novas. Pessoas que agora já não se escondiam por trás de nicks, mas que publicitavam todos os pormenores mais ínfimos da sua vida pessoal diariamente e para que todos os pudessem ver. 

O Messenger derrubou o IRC, sobreviveu ao MySpace e ao hi5, apenas para sucumbir perante o facebook. Resistiu enquanto pôde mas a partir do momento em que o Skype deixou de ser um rival e passou a figurar dentro da própria Microsoft o seu fim deixou de ser uma suposição para passar a ser uma garantia. Hoje, confrontado com a realidade desse fim apenas me resta dizer adeus.

Até sempre velho amigo, guardo eternamente todas as recordações dos vários momentos que passei contigo ligado. Horas de conversa, de alegria e de desgosto, de bom humor e de seriedade, de aproximação e de discussão, de aprendizagem e de galhofa. Hoje fico offline pela última vez. Hoje despeço-me pela última vez.

*Adriano Cerqueira está offline