Tuesday, June 14, 2011

A Rede Desligada

Nos últimos anos raras foram as vezes que, por um motivo ou outro, estive sem acesso à internet por um longo período de tempo. Há cerca de um ano o meu portátil avariou, como na altura não tinha outro computador em casa, nem sequer um smartphone, não tive remédio se não resignar-me ao período de espera para reparação que durou à volta de um mês.

Infelizmente, limitar-me a ficar desligado não é um luxo com o qual me possa deleitar. Era Março e o segundo semestre tinha apenas começado. Não fosse por algumas propostas de projectos e pouco ou nada havia para fazer. Pedi ajuda a um amigo para me deixar ir a sua casa usar a internet para responder a alguns e-mails, e para enviar as propostas. Como fazia isto cerca de duas vezes por semana não posso dizer que estive completamente “desligado” durante esse tempo.

Na ausência de um computador, agravando a isto o facto de estar doente, encontrei algum reconforto na televisão. Descobri algumas séries novas e revi outras que há muito tinha deixado de ver. Permaneci atento ao telejornal, praticamente o único programa televisivo que acompanho diariamente quando não tenho qualquer problema em aceder à internet, portanto, não estava mesmo nada desligado, talvez apenas um pouco fora do alcance daqueles que não tivessem o meu número de telefone.

Em 2013, talvez não seja assim. Segundo este artigo, a frequência de explosões solares vai aumentar a um nível que já não é visto desde 1859. Na altura as comunicações por via de telégrafo foram gravemente afectadas ao ponto de serem necessários longos meses até estas voltarem a funcionar.

Isto foi no século XIX onde, em comparação com a tecnologia de hoje em dia, éramos bem mais primitivos. Em 2013, se o pior cenário se vier a realizar, podemos estar perante um verdadeiro “switch off” à escala global. Não ficaremos apenas sem internet, mas os computadores, telemóveis, televisores, electrodomésticos e carros podem irremediavelmente deixar de funcionar.

Todo e qualquer aparelho maioritariamente electrónico corre sérios riscos de ficar inutilizado devido à alta intensidade de radiação solar que vai passar pelo nosso planeta, aliada aos eventuais pulsos electromagnéticos, conhecidos por serem capazes de deixar uma grande cidade às escuras em meros segundos.

Sem querer soar como um profeta do apocalipse, a verdade é que a possibilidade deste evento acontecer é algo que nos devia preocupar. Nos cenários mais optimistas, talvez apenas acabemos por sofrer algumas quebras de energia sem que delas surjam grandes complicações. Contudo, é importante olhar para nós próprios e reflectir sobre como seremos capazes de “sobreviver” sem estarmos constantemente ligados à rede.

O Mundo iria literalmente parar e, durante alguns meses, teríamos que nos reabituar a viver sem o auxílio da tecnologia. Os contactos teriam que ser feitos pessoalmente, por escrito, ou através de telefones fixos, a rádio iria substituir a internet como a principal fonte de informação imediata, a televisão teria que regressar ao analógico, os pagamentos teriam que ser sempre feitos em dinheiro e muitos carros e transportes públicos deixariam de funcionar. Outros problemas a nível do funcionamento dos serviços de saúde, registos bancários, e de comunicação com os serviços de segurança e de emergência, também marcariam esta nova sociedade inadaptada a uma vida mais “real”.

Estaremos assim tão dependentes da tecnologia que o único resultado de um switch off não programado seria o pânico geral? Gostava de acreditar que não, mas a verdade é que tudo aponta em contrário. Mas talvez nem tudo seja negativo. A falta de internet e televisão poderá incentivar as pessoas a ler e a sair de casa, a enriquecerem-se cultural e intelectualmente após se verem livres da constante amálgama de informação indecifrável que a cada segundo estes meios lhes tentam impingir.

A verdadeira ameaça, contudo, não se prende pela falta de comunicação, mas sim no risco de perdermos a nossa memória digital. Ficheiros, documentos, blogues e sites, todos arriscam-se a ser apagados se os discos e servidores onde se encontram sofrerem mazelas irreparáveis.

Todo o arquivo deste blogue encontra-se em formato digital, assim como a maioria do meu portfólio académico e profissional. Todo o conteúdo ao qual nos últimos anos dedicámos horas, dias e meses para criar poderá desaparecer em meros segundos com pouca ou nenhuma prova da sua existência. Torna-se assim importante proteger o nosso arquivo digital e, quiçá, manter algumas cópias analógicas desse mesmo arquivo.

O tempo dirá até que ponto estamos prontos para retroceder no nosso avanço digital. Até lá, como já diziam os antigos “desligados”, a prudência é mãe da segurança.

Thursday, June 02, 2011

“A vida é curta mas é ampla”

A frase é de António Feio, e foi recentemente imortalizada no filme Contraluz de Fernando Fragata. Ontem tive a oportunidade de experienciar em primeira mão essa amplitude.

Na terça-feira ao final da tarde cheguei à Estação de Ovar. Por força de alguma correria consegui apanhar o comboio que ali me deixou pouco antes das oito da noite. Tinha planeado comprar o passe de Metro antes de regressar a casa mas a ansiedade de chegar à estação a tempo forçou-me a deixar essa tarefa para o dia seguinte.

Restava-me ainda comprar o passe de comboio, algo que não me devia demorar dado o tardar da hora, contudo, assim não aconteceu. Para minha surpresa, a bilheteira da Estação de Ovar já estava encerrada. Tentei renovar o passe na máquina de venda automática que há anos ali se encontra instalada mas que apenas nos últimos meses começou a ser utilizada, sem sorte. Talvez o desgaste do tempo de inutilização tenha avariado o sistema de multibanco. Após algumas tentativas frustradas desisti e fui para casa.

Ontem restava-me apenas uma hipótese, se quisesse apanhar o comboio das oito teria que acordar ainda mais cedo e estar na estação a horas de apanhar o comboio imediatamente anterior. Assim fiz. Chegado à estação deparei-me com uma longa fila que começava a chegar até à rua. Por sorte estava lá um amigo meu que me cedeu o lugar visto que não tinha alternativa se não apanhar o próximo comboio, e a fila não parecia andar mais depressa.

Ele tentou usar uma das máquinas de venda de bilhetes em papel, contudo faltavam-lhe dez cêntimos para comprar o bilhete. Não estivesse eu ali, ele teria tido alguma dificuldade em arranjar alguém que lhos emprestasse correndo assim o risco de perder o comboio e chegar atrasado ao trabalho. Não estivesse a outra máquina avariada, nada disto teria acontecido.

Após ele partir, aguardei na fila com alguma ansiedade sem saber ao certo se seria capaz de me desenrascar a tempo do comboio das oito. A sorte esteve do meu lado e, inclusive, quase teria conseguido entrar no mesmo comboio que ele, não tivesse o senhor que estava à minha frente na fila se demorado com algumas questões irrelevantes. É sempre assim quando estamos com pressa.

Chegado a General Torres corri pelo meio da multidão para tentar ser um dos primeiros a chegar às máquinas. Escolhi a do lado oposto ao cais de embarque por a fila ser mais pequena. Esta não foi uma boa opção. A rapariga que estava à minha frente para comprar o passe estava a ter problemas com o multibanco que novamente não parecia funcionar.

A adivinhar o inevitável atraso fui para a outra fila que naquela altura já estava um pouco menor. À minha frente estava uma senhora que não sabia comprar viagens para o Andante e que me abordou para a ajudar. Evitei que esta comprasse dois passes diários por engano e corrigi o seu pedido. Perdi o próximo Metro por meros segundos. Quando lá cheguei já as portas estavam a fechar.

Não fosse por estes atrasos podia ter chegado cerca de trinta minutos mais cedo ao meu destino. Mas assim não estava escrito.

“A vida é curta mas é ampla” e são nestes pequenos pormenores, nas despercebidas coincidências do nosso dia-a-dia, que esta amplitude se revela.