Tuesday, May 05, 2009

Texto sobre a faculdade cujo título se perdeu algures pelo caminho

Ainda me sinto como se pudesse salvar o mundo, mas agora sei que mesmo que o fizesse nada mudaria.

É difícil lembrar-me do que sentia há três anos atrás, da maneira como vivia sob a esperança e as expectativas de um futuro melhor. Não me esqueço, contudo, das coisas que queria, das coisas que precisava, muito porque ainda não as tenho, mas também, porque sem elas a minha simples existência não faria sentido. Como nunca fez.

Continuo sem saber por que escolhi este curso, talvez a "mentira" que conto a mim próprio todos os dias, ou pelo menos sempre que alguém me faz essa pergunta, seja a verdadeira justificação, e todas estas constantes dúvidas sejam apenas a minha forma de tornar especial aquela manhã de Julho, num café de Aveiro, onde o meu futuro para os próximos três anos – e, possivelmente, para o resto da minha vida – foi traçado.

"Quero ser escritor, mas falta-me experiência de vida, e o Jornalismo é a área perfeita para a ganhar", com algumas variações consoante a pessoa e o momento, é esta a minha resposta. Sou um verdadeiro escritor, incapaz de juntar duas frases com sentido e sentimento, há mais de dois anos... A verdade é que já não sei o que sou, ou o que quero ser. Larguei a prosa e virei-me para a poesia, mas a minha lírica não é mais que versos soltos e palavras em bruto que surgem juntas numa pequena explosão momentânea de sentimento. Sinto como se tivesse perdido o meu "dom", e sem ele não sou nada se não banal.

Às vezes encontro-me a ler textos antigos que escrevi quando ainda era capaz de sentir, vejo-os como se outra pessoa os tivesse escrito por mim. Já não reconheço aquele rapaz que nunca satisfeito com o seu produto final, conseguia criar verdadeiras histórias épicas, autênticas sinfonias que melhor trabalhadas tinham o potencial para serem lembradas na própria História como autênticos clássicos contemporâneos.

Mas esse "dom" já não me pertence. Com o tempo perdi o olhar optimista que tinha sobre o Mundo. Os meus dias passaram de verdes colorações da realidade para constantes tardes cinzentas, vazias de esperança. Bom, não vazias, mas quase, pois é tão ínfimo o leve traço de sonhos e expectativas que me faz acordar todos os dias, que já não o consigo sentir.

Outra justificação, à qual sempre neguei qualquer influência, embora soubesse que estava a enganar-me a mim próprio, era a possibilidade de te encontrar, não no imediato, se assim fosse o Porto não teria sido a minha opção, por mais que na altura visse naquela cidade o meu "El Dorado", mas num futuro em que tivesses mudado o suficiente para te poder amar e para tu aceitares o meu amor, e o retribuíres com toda a entrega que uma relação épica, como aquela que imagino e desejo para mim, poderia dar.

Mas tudo isso não passava de uma ilusão. Pois tu não eras capaz desse feito, porque, na verdade, nunca soube, e ainda não sei, quem tu és. Apenas sei que não és assim. Embora hoje tal opção não faça qualquer sentido, não posso negar que na altura estes pensamentos não tenham tido qualquer tipo de influência na minha decisão. Pois a verdade é que tiveram.

Aprender a esquecer o passado foi uma lição que a faculdade não me ensinou. Talvez esquecer não seja a palavra certa, talvez devia ter dito "aprender a deixar o passado em paz". Independentemente dos motivos que levaram a esta decisão, três anos passaram, o caminho já foi percorrido e já é tarde para pensar no que me levou a o escolher. Três anos... Ditos desta forma quase parecem uma eternidade, mas passaram tão rápido que quase nem dei por isso.

Há não muito tempo atrás perguntei a uma pessoa se sentia que tinha vivido uma verdadeira experiência universitária. Ela respondeu que não – "faltou-me fumar o meu primeiro charro, apanhar a minha primeira bebedeira." A resposta surpreendeu-me, vindo de quem vinha, pois eu também penso da mesma forma, se bem que à sua resposta posso acrescentar: "faltou-me aprender a tocar guitarra; embora esteja a aprender Russo, estou longe de ser capaz de ler Dostoevsky na sua língua original; faltou-me ter uma vida boémia, saber mais sobre arte e literatura, ser capaz de citar autores e passar noites em lugares à margem da trivialidade dos lugares comuns, a ter discussões profundas sobre a própria existência; faltou-me pertencer a um grupo coeso no qual me sentisse pela primeira vez integrado, com o qual as saídas à noite estariam já implícitas e no qual encontraria sempre alguém disposto para me acompanhar a todos os eventos que faltei ou que não desfrutei na plenitude por não ter alguém para ir comigo, ou por levar alguém que fosse capaz de saborear a natureza do momento comigo; mas acima de tudo faltou-me amor. Uma primeira verdadeira paixão, uma primeira verdadeira relação. Faltou-me sentir pela primeira vez que alguém sente o mesmo que eu, que me compreende, que precisa de mim tanto como eu preciso dela e que quer estar comigo tanto como eu quero estar com ela. Tudo o resto é insignificante sem amor.

Mas não sou um falhado, não me sinto como um falhado e, por mais incrível que pareça, a cada dia que passa mais tenho a certeza que fiz a escolha certa. Não falhei na vontade de encontrar verdadeiras amizades, na vontade de encontrar alguém como eu, alguém com os mesmos interesses e com uma forma parecida de pensar. Não, nem em sonhos podia imaginar o número de pessoas assim que acabei por encontrar, quer dentro do curso, quer através dele.

Não falhei na busca por momentos que tão cedo não irei esquecer e cuja importância para sempre me ajudará a ultrapassar quaisquer dificuldades que possam surgir. Não falhei na experiência de vida, que embora em muitos aspectos ainda não me permita compreender ou saber o que fazer em certas situações, deixa-me com uma visão que mata a ingenuidade ganha após seis anos de viver à parte de todas as circunstâncias da típica vida de liceu.

Não, não falhei. Nunca estive num lugar melhor, mas também não aceito que apenas porque não tenho motivos para me queixar, isso sirva como desculpa para me deixar levar pelo destino e não pedir mais. Não. Eu quero mais e embora já seja tarde para o conseguir na faculdade, arranjarei forma de alcançar o meu lugar.

Falta pouco para dizer adeus àquelas velhas portas do edifício em segunda-mão perdido no interior da cidade Invicta, ao qual chamei casa nos últimos anos. Lá, não vivi a experiência universitária que esperava, mas acabou por ser uma etapa importante para o início da minha vida. Talvez salvar o mundo continue a não ser suficiente para alguém sentir por mim aquilo que eu estou disposto a sentir pelos outros, mas o dia chegará em que nada precisarei de fazer à parte de apenas ser eu próprio.

2 comments:

Pi said...

É extraordinário, como através de um texto sem titulo, se descobre uma pessoa!

Tu estás a ver o fim do curso, como um fim em si mesmo, já trataste de fazer o balanço, e já sentiste o vazio que isso te trouxe... porém tenho a dizer-te que não estás a viver nenhum fim, mas sim um começo..

És uma pessoa sensivel, encontra-se sensibilidade em todos os poros das letras deste texto, queres ser escritor, so isso diz muito! Porem um escritor nao se faz nos bancos da faculdade, a faculdade procura dar-te instrumentos para usares quando precisares, e mesmo assim ficará áquem daqueles que a vida se encarregará de por-te à frente.

Parece que querias fazer da faculdade obrigatoriamente uma experiência de vida, porém cada um tem o seu percurso, e meu deus, 3 anos, 3 anos não é nada! Tens todo o tempo do mundo pa fumares os teus charros, apanhares as bebedeiras, e teres aquele amor arrebatador, terás isso e muito mais, nao importa onde, nem quando.. importa apenas se estás ou não, disponivel para isso!

Vejo-te ainda desiludido, pouco optimista com o que te rodeia, com o q poderás fazer para salvares o mundo.

Também já tive essa ideia, tabém ja quis salvar o mundo e fui para a area da justiça, tu foste para a àrea da palavra, de certa forma temos em nos algumas ferramentas, não para salvar o mundo inteiro, mas pelo menos a quem nos tiver proximo! A palavra é uma arma, se a usares bem, acredita que podes salvar muita gente, nem que seja por uns segundos. Por isso não desmoralizes. Não tens porquê.

Depois falas de um amor, ou na falta dele, como alma de escritor que deves ter, falas em amor epico, arrebatador, intenso, porém, demasiado premeditado. Falaste de um amor programado, de um jogo de atitudes, e caminhos que te levassem a ele, quando na verdade isso nao serve de muito. Ele surge por detras de uma porta, basta a deixares encostada.

Este texto foi um cuspir de palavras que reflectem um engasgo de sentimentos, de sensações. Engraçado, que foi tão fácil de descobrir um miudo meio perdido, no seu precurso academico, e por consequencia em aspectos da vida. Mas acho natural. e tu também tens que achar.

E sê tu proprio sempre, e salvando o mundo ou não salvando, dia a dia vais construindo a tua historia!

Lets move on!!

Um beijinho

Maria M. said...

Escrever como tu escreves sobre um bloqueio de escrita, é por si só um paradoxo.

Também eu sofri da mesma ingenuidade. Talvez não seja ingenuidade, vá. Somos só nós, seres pensantes, com capacidades narrativas e imaginativas, a quem não basta o pão nosso de cada dia.

Queremos sentimentos avassaladores, cabelos desalinhados, roupas suadas, amanheceres luxuriantes, posições desavergonhadas, mãos cheias de outras mãos, bocas cheias de amor.

Queremos alimento cultural, estímulo cerebral, companhia eloquente e sarcástica, risadas inteligentes e memórias kitsch.

Achei por vezes ter conseguido algumas dessas coisas. Mas, sabes, a satisfação nunca é total. E o mundo não se consegue em três anos. Nem particularmente na universidade. Reforço, muito menos na universidade, por si só.

O inesperado bate-nos sempre à porta. E quero acreditar que sabe melhor do que qualquer projecção.

E ainda tens tanto tempo para encheres lençóis alheios de histórias...